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Laboratório vinculado ao Curso de Química e ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Toxicologia Aplicada (PPGGTA) da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)
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domingo, 3 de maio de 2009

Aplicações da Bioinformática Estrutural no campo da Química Medicinal: dos Genes aos Fármacos

Introdução

Segundo a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC, nas iniciais em inglês) a Química Medicinal comporta a invenção, a descoberta, o planejamento, a identificação e a preparação de substâncias biologicamente ativas, a interpretação de seu modo de ação a nível molecular, o estudo de seu metabolismo, e o estabelecimento das relações estrutura-atividade. Ou seja, embora baseada na Química, a Química Medicinal também envolve aspectos da biologia, da medicina e das ciências farmacêuticas. No Brasil, ao contrário do que se observa em países desenvolvidos, a Química Medicinal caracteriza-se por ser uma área ainda pouco explorada. No contexto mundial, a importância da Química Medicinal fica evidenciada pela sua própria definição, descrita anteriormente, que pode ser simplificada para o seguinte: a Química Medicinal está diretamente envolvida com o planejamento e desenvolvimento de substâncias usadas no tratamento de doenças e, conseqüentemente, para a manutenção da vida e melhoria da qualidade de vida. Assim, é fato que muitos dos fármacos e medicamentos de que eventualmente necessitamos fazer uso foram desenvolvidos por químicos medicinais, geralmente trabalhando nos paises sedes das grandes indústrias farmacêuticas.

Tomando em consideração a relevância e o impacto da pesquisa em Química Medicinal, são discutidas neste artigo abordagens computacionais modernas empregadas neste importante ramo da Química, mais especificamente, aquelas envolvendo a modelagem molecular, a bioinformática e a biologia molecular estrutural.

Conforme van der Spoel et al. (2001), o termo modelagem molecular indica o processo de descrição de sistemas químicos complexos através de um modelo atômico realístico, cujo objetivo é entender e prever as propriedades macroscópicas de um determinado sistema. Isto envolve desde os modelos de papel utilizados por Linus Pauling em 1948 para entender a estrutura da alfa-queratina aos sofisticados programas computacionais empregados nos dias de hoje para o planejamento de fármacos. Com relação à bioinformática, uma definição ampla consiste a aplicação de ferramentas de computação para análise, captura e interpretação de dados biológicos. A bioinformática é uma área interdisciplinar envolvendo conceitos de computação, matemática, biologia, química, física e medicina (BAYAT, 2002). Embora utilizada bem antes dos grandes projetos genoma, foi somente a partir da década de 80, com o aprimoramento das técnicas de seqüenciamento de DNA e de novas tecnologias, que o termo bioinformática foi lançado como uma nova área do conhecimento científico. A relação da bioinformática com a Química foi evidenciada por um artigo publicado em janeiro de 2001 na C&EN (Chemical Engineering News), uma publicação da Socidedade Americana de Química (ACS, nas iniciais em inglês), intitulado The hottest job in town: opportunities abound in bioinformatics, but qualified candidates are hard to find ou, em português, “O emprego mais quente da cidade: oportunidades abundantes na bioinformática, mas candidatos qualificados são difíceis de achar”. O artigo cita várias atividades que um químico pode exercer no campo da bioinformática, incluindo o planejamento de fármacos, o qual envolve o estudo da interação entre moléculas complexas. Neste contexo, um dos grandes desafios da bioinformática surgiu a partir da chamada era pós-genômica, na qual a proteômica (estudo do conjunto de proteínas presentes numa célula) emergiu como uma área de fundamental importância para o estudo dos processos biológicos. Em decorrência dos avanços obtidos pela proteômica, as relações estrutura-função de proteínas estão sendo cada vez melhor entendidas. Isso decorre principalmente do rápido aumento no número de estruturas tridimensionais (3D) de macromoléculas biológicas (e.g. proteínas, fragmentos de DNA e RNA) disponíveis em bancos de dados de acesso livre como o Banco de Dados de Proteínas (PDB, nas iniciais em inglês), que representa o principal repositório de estrutura de macromoléculas biológicas (BERMAN et al., 2000). Neste caso, a determinação experimental da estrutura 3D de uma macromolécula biológica consiste no ramo de conhecimento científico conhecido como biologia molecular estrutural. Por sua vez, as particularidades envolvidas na análise estrutural das macromoléculas biológicas levou à criação de uma nova e recente área, conhecida como bioinformática estrutural (BIE) (CHOU, 2004).

A bioinformática estrutural nasceu justamente a partir da intersecção das três áreas anteriormente comentadas: modelagem molecular, bioinformática e biologia molecular estrutural. Embora métodos tradicionais de identificação funcional trabalhem somente com as seqüências de aminoácidos das proteínas (estrutura primária), se sabe que é a estrutura tridimensional de uma proteína, não simplesmente a sua seqüência, que determina a sua função e atividade. Quando a proteína se enovela, os resíduos de aminoácidos são orientados em suas posições corretas para a formação das regiões funcionais. Essas regiões funcionais são, na sua maioria, interfaces para ligação da proteína a moléculas. É bastante comum que proteínas de uma mesma família apresentem estrutura tridimensional conservada (semelhantes na forma), mesmo apresentando baixa similaridade na seqüência de aminoácidos. De fato, está bem estabelecido que as proteínas são mais parecidas na estrutura 3D do que na seqüência. Neste sentido, sabe-se que mais importante do que a porcentagem total de identidade (semelhança) entre as seqüências de aminoácidos de duas proteínas diferentes, é a identidade dos resíduos chave, responsáveis pela função. Assim, assumindo se as estruturas conservam a orientação tridimensional relativa desses resíduos, as proteínas possuem a mesma função.

A estrutura 3D de uma proteína pode ser obtida por métodos experimentais (e.g. cristalografia de raios-X e ressonância magnética nuclear - RMN) (TERWILLIGER, 2000) ou métodos computacionais como, por exemplo, modelagem por homologia (D’ALFONSO et al., 2001) e métodos ab initio (ORTIZ et al., 1998). Para se obter a estrutura 3D de uma proteína por métodos experimentais é necessário que, além do emprego de um método adequado de determinação estrutural, a macromolécula tenha sido previamente isolada, identificada e seqüenciada. Como conseqüência, os requisitos necessários para que a estrutura de uma proteína seja determinada experimentalmente requerem um custo econômico elevado e de tempo. Além disso, em alguns casos, a obtenção da estrutura 3D de uma proteína é inacessível a partir das metodologias conhecidas. Por outro lado, os métodos computacionais caracterizam-se pela rapidez e baixo custo na obtenção de estruturas de proteínas (XIANG, 2006). Neste sentido a bioinformática estrutural tem sido muito empregada na predição de modelos 3D de proteínas por modelagem por homologia, metodologia na qual o vasto e complexo conjunto de dados de cristalografia de raios-X e RMN é empregado (BURLEY et al., 1999).

Com a informação da estrutura, torna-se mais fácil e confiável atribuir a função de uma proteína desconhecida (WATSON et al., 2007). Além disso, quando a proteína representa um bom alvo farmacológico (para o tratamento de uma doença), o conhecimento da estrutura 3D pode ser empregado no planejamento de agentes terapêuticos mais seletivos e eficientes (LUNDSTROM, 2006). Neste sentido, o número crescente de estruturas 3D disponínveis nos bancos de dados estruturais tem sido empregada para análise ou criação de modelos de interação entre diferentes proteínas e seus substratos, ligantes ou inibidores, cujo principal objetivo é a aquisição de informações que contribuam para o planejamento de fármacos mais eficientes e menos tóxicos. Dados obtidos em junho de 2008 na página do PDB mostram que este banco de dados possui mais de 51.360 estruturas, sendo que os avanços tecnológicos e a emergência na determinação de estruturas promete manter uma alta taxa na aquisição desses dados (BLUNDELL & MIZUGUCHI, 2000).

Os tipos de análise estrutural que estão se tornando importantes incluem as chamadas simulações de docking (atracagem) de pequenas moléculas (ligantes) em alvos farmacológicos (proteínas, DNA, RNA) com o objetivo de predizer a afinidade. Uma anologia simples é considerar que o alvo farmacológico (receptor) é uma fechadura e, o ligante, uma chave. Neste caso, várias chaves (ligantes) são testadas computacionalmente para se verificar qual delas se encaixa melhor na fechadura (receptor). As simulações de docking envolvem o uso algoritmos capazes de posicionar e orientar pequenas moléculas, levando em consideração ou não a flexibilidade do ligante e receptor, em um sítio de ligação (KITCHEN et al., 2004). Além disso, muitos desses algoritmos são capazes de estimar com boa aproximação a energia livre do complexo receptor-ligante. Na fase de posicionamento podem ser empregados cálculos de energia simples (levando em conta as contribuições eletrostáticas e de van der Waals), ou procedimentos mais elaborados, que considerem outras propriedades, tais como, a entropia (KITCHEN et al., 2004). Assim, é possível estudar e classificar uma série de ligantes em termos de sua afinidade, ou ainda estimar a energia livre de ligação (FOSTER, 2002). Este procedimento é utilizado no chamado screening virtual, onde bancos de dados de ligantes são usados na busca automatizada por novas moléculas bioativas e para identificação de novos alvos terapêuticos (SILVEIRA, 2005). Além disso, em uma etapa posterior é possível simular o comportamento dinâmico do complexo receptor-ligante no ambiente fisiológico, considerando a presença de moléculas de água, o pH, a temperatura, a pressão e os íons, através da técnica conhecida como simulação de dinâmica molecular (van Gunsteren et al., 1995).

Em resumo, o aumento do número de seqüências e estruturas 3D de macromoléculas biológicas nos bancos de dados públicos vem fornecendo subsídios para a descoberta de novas moléculas terapêuticas através das diferentes abordagens da Química Medicinal. Por exemplo, a partir do genoma humano, cujos dados estão acessíveis online, é possível identificar o gene envolvido numa determinada doença, construir um modelo estrutural da proteína codificada por este gene e identificar/planejar uma molécula que se ligue a esta proteína com a afinidade necessária. Em vista destas observações, pode-se afirmar que as metodologias computacionais empregadas pela Química Medicinal surgem e se consolidam como uma área vital para o melhor entendimento das bases moleculares do reconhecimento dos fármacos por macromoléculas biológicas o que, por seu turno, representa uma importante contribuição para o desenvolvimento de fármacos personalizados (área conhecida como farmacogenética), mais eficientes e menos tóxicos. A despeito da pouca tradição, há perspectivas que a Química Medicinal ganhe mais importância no Brasil nos próximos anos. Esta impressão está baseada no fato de que o governo federal, através dos fundos setoriais e apoio do BNDES e FINEP, tem aplicado recursos consistentes no fomento à pesquisa no setor de fármacos. Embora sejam poucas as industrias farmacêuticas nacionais que investem de forma prática no desenvolvimento de fármacos novos, observa-se que várias universidades estão conseguindo firmar acordos com a iniciativa privada para pesquisa no setor de fármacos. Entre os principais motivos está a mão-de-obra qualificada concentrada nas universidades e, também, o potencial brasileiro (por conta de nossa biodiversidade) para o desenvolvimento e produção de medicamentos de origem natural.

Referências bibliográficas

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